quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Poesia Baiana


PLAN DE LA RUE NICOLAS-CHARLET DANS LE 11e ARRONDISSEMENT
 
(Miguel Carneiro)
 
Il est trois heures
à Paris.
Sur les quais de la Seine
un homme marche.
Pedro Vianna, in À Paris
 
 
I
 
As ruas por onde um dia eu passei
escondem nas entranhas
em cada pedra que pisei
os meus passos ligeiros.
Foram passadas ignávias
que o tempo não cuidou de apagá-las.
Qual pedra ainda guarda
aquela passada tímida
quase indefesa
quando buscava meu verdadeiro pouso?
Creio que naqueles frios granitos
de ruas parisienses
ainda ressoa meu andar apressado
sepultado por outros passos
imersos em profundo isolamento.
O peso do mundo sobre minhas costas
eu coxo de tanto lutar
cravava na rocha ígnea
passadas sérias como se fosse um militar.
Ruas por onde um dia eu passei
retumba no ar o cheiro dos meus pés,
no basalto duro moldado pela picola
banhado a sangue e suor,
nas pedreiras azuis dos Pirineus.
Estrangeiro de mim mesmo
comboiava solitário sem cais de atracação
com um verso clandestino na memória
e a alma impregnada de dispersão.
 
 
 
II
 
Em que pedras guardas o caminhar de minha amada
na tarde ensolarada de Printemps parisiense?
Ò Pórfiro,
com qual delicadeza amalgamaste
na poeira esquecida
as pisadas pequenas de minha flor
entre o boulevard Malesherbes
e a place de La Madeleine?
 
 
 
III
 
Sob os meus pés,
no território dos sonhos,
dirijo-me a ti,
Reino Mineral,
na esperança de que guardaste em clave
o troar macio da marcha de minha doce namorada,
naquele distante inverno
sombrio de Setenta e Seis.
Pois
a memória dos homens padece de celebração.
Vão eles no porvir das auroras
expurgando sem compromisso
qualquer tipo de recordação.
Só tu,
Rocha!
Agasalhas a minha estranha lembrança.
E sob os meus pés
a memorável pátria da liberdade
eterniza-se em fôrma de bronze.
E por essas ruas, praças, bulevares
guardas minhas passadas
e também a poeira de nosso tropel
que não mais advirão.
 
 
 
IV
 
A saudade encharca
o meu peito estrangeiro
quando debruço de cansaço nos Jardins du Luxembourg.
E, com um exemplar atrasado do Libération,
aguardo ansioso o teu advento.
Mas sem carte Orange,
burlando a fiscalização,
caminho por essas gares em busca de teu rosto.
Ó Chantal!
diva de minha estação.
E, no entanto,
eu sei onde te encontrar:
no Bois de Boulogne,
luminosa,
de cabelos longos,
perto de Mouffetard.
 
 
 
V
 
Um imigrante senegalês morto de frio,
deitado ao chão.
Um totem africano espantando o inevitável infortúnio,
e os homens de quepes azuis caçando algozes, passam...
Disfarço-me de europeu,
numa terra povoada por argelinos.
Busco comprar num marroquino
um haxixe bom
fumado num narguilé.
 
 
 
VI

Eu sei que a França poderia ser a minha pátria
e nela eu me inteiro encerrar.
Mas com tantos sertões no meu lombo
torna-se difícil me acostumar.
Sou das pelejas de caminhos tiranos,
sofrer não escolhe lugar.
 
 
 
VII
 
No Marché aux Puces,
procuro pelo vidro de perfume patchuli.
Mas a passagem aérea
perdida num vagabundo vagão
onde um mutilado de guerra
escarra as minhas costas
vem de chofre a me atormentar.
Aqui por tudo se pede:
 ‘S’il vous plaît!’,
nessa terra repleta
de amabilidade e comoção.
Telefono, então,
para o poeta Pedro Vianna,
da place de Clichy.
Em Châtelet,
dois clochards se encharcam de vinho
à entrada da estação.
Descortina a Île-de-France,
e os diabinhos do pórtico
da Catedral Notre Dame
chamam-me as atenções.
Eu te desejo ò cidade!
Eu te conclamo no meu canto
nessas tardes de completa solidão.

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